Há tempos preciso daqui. Precisar meu relógio. O corpo não suportou mais, declarou pausa, empurrou-me para cá. "Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros." (CaiO.F.)  Vezenquando arde.  "porque parece que sou portadora de uma coisa muito pesada." (Clarice Lispector) E tudo dói. Dói a dor que os outros sentem por minha causa. A dor pesada, desesperada, inventada, que criam pra mim.  E ainda acham que suavizam a carga. Estranho como a dor nos empurra pra dentro da gente.  Pra lugares tão íntimos... que mal nos cabem.

"Tem uma passagem estreita dentro de mim, tão estreita que suas paredes me lenham toda... mas essa passagem desemboca na largura de Deus." (Clarice Lispector). É preciso mesmo que arda, que sangre, que doa.
Pra que a gente saiba do que vai por dentro. E olhe com os olhos de dentro. Enxergue o de dentro e o de fora. Saber que se a visão de dentro está embaçada o dia vai ser sempre nublado. E só vai fazer sol lá fora se por dentroo jardim for bem cultivado. "Quem não planta jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles." (Rubem Alves) No fundo, aquelas borboletas das flores são as mesmas que voavam na barriga... E só saem quando o lado de dentro não pode mais contê-las. "mas você tem cento e vinte borboletas pousadas na sua tiara: você pode voar a qualquer momento!" (Rita Apoena)
Voar pra dentro de si. Pra dentro da dor. Conhecê-la. Até ela não doer mais.
Timidamente rumo ao íntimo.
"É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco, é um encontro.'' (Clarice Lispector)
Reencontro. Reencanto.
 O canto da alma. O som da lágrima.
Que sempre vira chuva... E lava... E limpa...
E faz voltar a primavera.


Branna Lorenna
em Jardim Furta-Cor



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